sexta-feira, 1 de março de 2013

Fiquei triste



"É muita falta de amor próprio" - pensava ela minutos seguidos antes de dormir. Minutos nada, durava horas. Ela não se conformava em ser do jeito que era."Como pode alguém gostar de sentir-se triste? Talvez eu seja uma rebelde sem causa, uma mimadinha, filhinha do papai...Que tem tudo o quer, e não dá valor, talvez eu seja bem esse tipo de pessoa que merece ser castigada... Quanta idiotice... Neste momento pessoas sofrem de verdade, e eu aqui me auto convidando à melancolia... " Ela me dizia isso com um certo asco de si mesma. Eu apenas olhava pra ela. 
 Ela parecia ter o que qualquer um, sem muitas ambições, quer ter. Não faltava nada mesmo. Não falta nada. Tudo é suficiente, e até ultrapassa a suficiência, chega a ser regalia. Mas quando se chega mais perto, dum ponto que dá pra olhar dentro dos olhos dela, percebe-se que falta algo. Não parece faltar muito, mas falta. 
Pode ser que falte um pouco de luz em meio as rajas escuras de seus olhos quase negros, ou será que falta-lhe um pouco de bondade e compaixão para com os outros, inclusive comigo.
Ela é bem uma atriz, isso sim. Atua perfeitamente bem, acho que é uma mentirosa, vaca, quer que eu sinta pena dela, só pode!
 Quando eu li algumas páginas de Machado pela primeira vez, ela foi a Capitu. Não sou um leitor assíduo, acho que essa é a única obra da literatura brasileira que li alguns fragmentos, li porque ela mencionou o livro um dia, daí me deu uma vontade louca de ler, não sei porque...Na verdade sei, só tenho receio de dizer... Algumas fantasias da adolescência... A realidade é que nenhuma amiga, nenhuma colega ou qualquer conhecida, da escola, do bairro, da igreja, da faculdade, caía tão bem naqueles esquetes que se passavam na minha cabeça. Dissimulada. Ela bem que tem cara e jeito. Mas se ela for...É uma palavra muito pesada. Engraçado a gente falar de palavra como se fala de coisas que come, que veste, que usa... Palavra não tem peso, nem altura. Só tamanho, tem as grandes e as pequenas. Dissimulada é grande, quase um palavrão.  
Nem quero cogitar a ideia. Que espécie seria eu, me atrair justo por aquilo que eu repugno. "Me atrair" isso saiu da minha boca pela primeira vez, e foi o suficiente. Tem palavras que não soam e ganham rumo para a frente, elas vão direto para os ouvidos de quem fala e entram lá pra dentro. Viram um algoz, chicoteiam os pensamentos, atormentam dia e noite. Fiquei atormentado. Descobri o que era pra ficar coberto. 
Debaixo de alguma proteção é sempre mais fácil de encarar o medo. É como quando a gente é criança, tem sonho ruim e bota a cabeça embaixo da coberta, o medo continua lá, porém você tá protegido. Mas o medo assim "nu e cru" estampado na nossa cara, é dureza. Eu tive de me acostumar, acho que já acostumei. 
A princípio tomei a decisão de fazê-la feliz. Bobagem. A situação ficou cada vez pior. 
Agora ela me vê como uma ameaça a sua busca em estar triste. Um dia lembro que ela disse algo mais ou menos assim " Estar triste é diferente de ser triste, eu não quero ser triste, quero estar triste..." Ela deve mesmo saber diferenciar, vive alegre por aí. Já eu, bem eu ainda não sei o que fazer com essa tristeza, mas também quem mandou se apaixonar por uma maluca.