Por Wesmair Graciano
No
sábado. Robertyson acordou, na madrugada gélida de inverno, com um olhar
turbado, pois não lembrava do que havia acontecido em seu sono. De sua janela
esfregava seus olhos com a cerração a sua volta. Vários bocejos seguidos o
tonteavam: céu, lua crescente, iluminação pública, grilo, gatos, barulho bem de
longe de veículos na BR.
Ainda
é noite. A cama desarrumada parece que pede a reciprocidade no calor. Até que
não resiste e volta aos braços da donzela. Três horas. Nada de sono. Mãos entre
as coxas; sem nariz, orelhase pontas dos dedos. Ao som do luar veio na memoria
que talvez seja resquícios do sonho, um pé de pequi cheio de pequizinhos e o
chão forrado de caroços roídos de pequi. Fez força para limpar essa imagem nada
a ver!
Depois
sorriu sozinho. A imagem voltou. Voltou com um diferencial: o coração bateu. E
a cada batida fazia tremer o corpo todo.
―
Eu, hein?! E sorriu gostoso.
Fragmentos
do sonho vinham e iam rápido, mas as peças que vinham e as que iam eram incaixáveis,
parecia. Quatro horas. Ficou assim: um pé de pequi cheio de pequizinhos e o
chão forrado de caroços roído de pequi. Uma abominável criatura peluda que
ficava rindo – sem barulho - , a árvore cambaleava e se fixava, dançava e
parava, pulava e caia e se levantava. Doidera. Há algo atrás do pé que não
estava nítido. Pensou:
―
Putz! Ter censura em sonho é a primeira vez.
Cinco
horas... aquilo inculcava. Seis horas! Perturbado e aborrecido. Sete horas.
Acordou meio desengonçado.
―
Nossa que forno!Mãeee, cadê minha chinela?
―
Tá aí do seu lado, se fosse uma cobra tinha te mordido! Já estudou? Porque a
vida tá difícil, as coisas não são fáceis e tudoblablablá...
―
Acabei de acordar, mãe.
―
E são horas de ficar dormindo?
―
Beleza!
―
Pra onde você vai?
―
Estudar, uai!
―
Vem comer!
―
Sem fome.
Ao
tentar achar seu quarto no estado de semiacordado: um pé de pequi... mas o quê
tinha a mais no sonho que estava embaçado?
―
Terrível! Demoro a sonhar; e quando sonho acontece uns trem desse.
Lápis,
caderno, apostila.
―
Mãeeeee, cadê meu notebook?
―
Debaixo da apostila.
―
Isso já tá estranho, murmurou. Parei nesse tópico aqui, então. Oh matéria
chata! Cinco minutos de estudo... um pé de pequi...
―
Aí não!
Pensou
em deitar novamente, já estava fria novamente sua cama desarrumada e o edredom
na posição certinha,tudo fácil e não deu outra, mergulhou nela. O dia tá tão
amarelo... pequi no pé de pequi amarelo...
―
Agora pronto mesmo! Pelo jeito tudo me leva ao sonho. Quero sossego disso!
20
minutos.
A
campainha toca.
Toca
de novo.
E
de novo.
Silêncio
na casa.
Mais
ou menos uns 5 minutinhos... toca de novo.
Sai
da cama bufando e da sacada perguntou quem era.
―
Um litro por seisss real.
―
Um litro de quê?
―
Pequi.
―
Some com isso!
―
Cinco reaus?
― Quatro?
―
Fechô.
Voltou
para o quarto.Com os pés sujos e a preguiça de lavá-los sentou para estudar.
Com um lápis na mão e um pedaço de papel dando bobeira, começou poetizar, pois tinha
bastante tempo que não fazia nem rascunho. Então escreveu:
Em um pé de pequi,
vi
um saci?
Que nada!
Era um pai do
mato comendo caqui!
Olha o javali...
Colibri,
juriti...
Jabuti perto do
abacaxi...
― Podre! Amassou com
muita força o pedaço de papel e jogou fora.
Bocejou.
Dez horas e nada de estudo, de poesia, ninguém em casa. Uma caixa no seu
guarda-roupa que nem lembrava mais do que tinha lá prendia aatenção dele.
Só
bagunça localizada, mas no fundo estava esparramado um monte de letras do
alfabeto de plástico. Recordou. Sentou-se e um forte aperto no peito foi seu
consolo.
Percebeu
que a sua escrita já não era a mesma; faltava a essência! Antes as palavrassoavam em forma de música para o seu conforto. Quem lia
encontrava um quê polido, individual; os corações se deslumbravam no arranjo,
restando fascínio nos olhos ao ponto de ser uma declaração de amor ao Amor!
Almoço
sem graça. Voou até o banco para fazer um saque. Olhou para a direita e esquerda;
frente e atrás e se mandou à espera da noite. Às dezenove horas. Saiu quase sem
rumo com o carro de seu pai.
Apertou
a campainha, porém o botão engastalhou. Maior sufoco, já que havia muito tempo
que ele não visitava aquela casa. Desespero para destravar aquele troço.
― Ufa, destravou!
O
pastor comenta dentro de seu lar:
― O povo pensa que a
gente fica toda vidaencostado no interfone!
E
da porta faz força pra enxergar lá na rua quem era.Abre o portão com controle
remoto e diz:
― Sumiu! Há quanto
tempo! Entra...
Cumprimentou-o com um forte
aperto de mão.
― Desculpa! Travou o
botão.
― Seus pais estão bem?
― Sim.
― A Jussara tá no
quarto. Chegou bastante cansada do serviço.
A esposa chega e
cumprimenta o rapaz:
― Olá! Como vai você?
― Estou bem, graças a
Deus!
― Vou chamar a Jussara.
― Vim ver vocês, deixa
ela descansar.
― Já descansou demais.
Ao
ouvir o ranger suave da portase abrindo do quarto de Jussara, Robertyson compreendeu
que aquilo que estava atrás do pé de pequi era a Flor de sua vida.